A Regionalização e Integração
No mundo globalizado, participar efetivamente das relações internacionais significa, essencialmente:
· manter um bom relacionamento comercial com os demais países ou blocos de países;
· participar efetivamente das negociações de acordos comerciais dos mais variados moldes;
· estar sempre atualizado em relação às mudanças de comportamento dos diversos atores.
A proliferação de acordos regionais marcou profundamente as relações internacionais a partir da segunda metade do século XX, tanto no campo econômico como no campo político, e refletiu também no desenvolvimento do próprio Direito Internacional. Os acordos regionais encontram apoio no art. XXIV do GATT, que dispõe sobre a criação e a formação das uniões aduaneiras e das zonas de livre comércio.
A justificativa para a formação de blocos era a de propiciar maior liberdade de comércio, mesmo que discriminatória, com vistas ao aproveitamento das vantagens comparativas recíprocas. Acreditava-se que a integração contribuiria para gerar ganhos de comércio e, consequentemente, aumento do bem-estar.
Nas negociações de acordos comerciais, os países buscam ampliar o acesso aos mercados externos, sobretudo no que diz respeito à elevação das margens de preferência para seus produtos, preferência esta que se dá por meio da redução das alíquotas do imposto de importação.
Aspectos teóricos e históricos de integração regional
O livre comércio é considerado pelos clássicos como a melhor forma de usar eficientemente todos os recursos disponíveis para atingir o máximo de bem-estar mundial. Mas só isso não é suficiente, pois, como ocorre transferência de renda entre pessoas e nações, alguns ganham e outros perdem com a liberdade de comércio.
Como na realidade não existem mecanismos capazes de compensar as perdas dos que são prejudicados pelo livre comércio, os Estados intervêm publicamente para neutralizar os prejuízos resultantes das trocas internacionais e alavancar o desenvolvimento econômico.
As consequências das decisões de uma nação sobre o comércio exterior naturalmente extrapolam os limites de seu território. No século XX, o mundo passou por etapas de acirramento das práticas protecionistas, desastrosas para muitos povos.
O período entre as guerras mundiais foi marcado por acentuado protecionismo e por deterioração das relações econômicas internacionais. Os Estados Unidos, que após a Primeira Guerra Mundial emergiram como potência, aumentaram bruscamente suas tarifas aduaneiras.
Esse fato levou seus parceiros comerciais a impor retaliações e a disseminar guerras comerciais acirradas. Por exemplo, para enfrentar um problema de balanço de pagamento, um país desvalorizava sua moeda. Isso tornava mais caro o produto de outro país, que, para recuperar a competitividade, também desvalorizava sua moeda, como já mencionamos anteriormente.
Assim, mesmo durante os conflitos, toda essa problemática motivou, a partir de Bretton Woods, o surgimento do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio). Com o objetivo de reduzir as barreiras comerciais e aumentar a interdependência das nações, o princípio básico do GATT era: nenhum país tinha obrigação de fazer concessões, mas se ele reduzisse suas barreiras à importação de determinado produto, esse benefício seria automaticamente estendido aos demais membros. Além disso, esses paí ses precisariam também assumir o compromisso de não aumentar suas tarifas ou fazer outras restrições. O GATT mostrou sua maior fraqueza na questão da solução de controvérsia e desrespeito às regras por parte de seus signatários.
A ideia de que alguma liberdade de comércio, mesmo que seletiva, seria melhor que nenhuma passou a fazer parte do discurso acerca da formação de blocos regionais, nos quais se esperava maior eficiência na alocação de recursos e aumento de bem-estar.
A partir da década de 1950, surgem as primeiras teorias sobre as uniões aduaneiras e as zonas de livre comércio. Foi nesse período que o economista Jacob Viner (1950) publicou seus estudos centrados nas condições sob as quais a alocação dos recursos mundiais é melhorada pela criação de acordos regionais. Ele alertou para a possibilidade de se observar o saldo líquido negativo em decorrência da manutenção do protecionismo em relação aos países não signatários do aco rdo.
Segundo Jacob (1950), há criação de comércio quando a produção doméstica, menos eficiente, é substituída pela importação, mais barata devido à ausência de barreiras procedentes de um parceiro comercial. Há desvio de comércio quando o produto socialmente mais barato em relação ao resto do mundo é preterido em favor daquele produzido pelo país-sócio. A ocorrência de criação ou desvio de comércio depende dos preços dos produtos nos diferentes países e da dimensão das barreiras alfandegárias.
Para que a união aduaneira possa beneficiar os participantes, a criação de comércio deve superar o desvio de comércio, de modo que, no balanço, a formação da união desloque fontes de suprimento para custos mais baixos mais do que para custos mais altos.
Um país eficiente e altamente especializado, porém diversificado em seus padrões de consumo, pode sofrer pesadas perdas em desvio de comércio e ganhar pouco em criação de comércio, enquanto uma economia multissetorial, comparativamente de alto custo, pode ganhar muito em criação de comércio e perder pouco em desvio de comércio.
As vantagens dessa estratégia podem ser sintetizadas nos quatros argumentos a seguir:
· maior aproveitamento das vantagens comparativas regionais: pode ser obtido pela especialização de cada país naqueles produtos cuja produção tenha menor custo unitário, dado que, entre eles, vigore o livre comércio; pela especialização dentro da região, que permite a cada membro proteger sua produção industrial com um custo menor do que se o fizesse isoladamente; pela integração, que possibilita também a complementaridade industrial, com ganhos para o conjunto;
· criação de economias de escala: sabemos que há tamanhos mínimos de plantas industriais para reduzir eficientemente, ou seja, com custos unitários menores. A união aduaneira, em um contexto de complexidade industrial, resulta na formação de um mercado maior, o que pode contribuir para reduzir o custo unitário de produção;
· possibilidade de ofertar maior variedade de produtos: se o mercado é pequeno e protegido, a oferta de produtos diferenciados e/ou sofisticados revela-se inviável porque implica a elevação de custos. Na passagem para a união aduaneira, é possível explorar a escala proporcionada pelo mercado ampliado, o que resulta em maior variedade, menores preços e aumento d o bem-estar dos consumidores;
· maior concorrência intrarregional: a integração amplia o mercado e, quanto maior é o mercado, maior a concorrência entre produtores, melhor a alocação de recursos, menor o grau de concentração industrial (formação de oligopólios e monopólios) e menores os preços para o consumidor final.
Assim, nessa conjuntura, algumas nações da Europa ocidental deram os primeiros passos em seu processo de integração, o que resultaria na atual União Europeia.
Na Europa, a ideia de uma unidade política cresceu após os danosos efeitos da Segunda Guerra Mundial, que corresponderam à destruição do aparato industrial, à ruína financeira e ao rebaixamento do nível de vida, que reduziram a região economicamente eficiente a uma região limite entre duas esferas de influência: a dos Estados Unidos e a da União Soviética.
Com o Tratado de Roma (1957), foi criada a Comunidade Econômica Europeia, que deu início a um processo de integração que afetou paulatinamente diversos setores da economia europeia. Além disso, o surgimento dessa comunidade abriu espaço para a criação de instituições supranacionais nas quais os Estados membros cederam parte de sua soberania sobre determinadas competências. O resultado desse processo foi celebrado no Tratado de Maastricht (1992), que criou a União Europeia.
O aparente sucesso de integração europeia no campo econômico motivou a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) a propor uma integração econômica da América Latina, com o objetivo final de desenvolver a região, o que seria alcançado em decorrência da implantação do modelo de substituição de importações, com estímulo à produção local de bens industriais anteriormente importados.
Nessa parte do continente americano, onde muitos países tinham um regime de política comercial restritiva destinada a favorecer a industrialização para substituição de importações, o tamanho reduzido dos mercados domésticos foi considerado um obstáculo ao desenvolvimento da indústria e um fator limitador dos ganhos em eficiência das economias de escala. Diante disso, a alternativa regional era vista sob a perspectiva de um mercado mais amplo, que possibilitaria o aumento da competitividade no mercado mundial.
Fases da integração
No passado, a integração entre povos era realizada por invasões e conquistas e os exércitos eram o principal instrumento de persuasão. Hoje, as nações independentes procuram se integrar por meio de acordos firmados em função de seus interesses recíprocos. Há diversos tipos de integração econômica que podem ser classificados segundo um grau crescente de interdependência:
· zonas de preferência: são acordos estabelecidos por países geograficamente próximos, com o objetivo de promover desenvolvimento e aumento de suas produções interna e externa mediante mecanismos de incentivo ao comércio intrarregional. Geralmente, são negociados acordos setoriais e concessões tarifárias ou não tarifárias para todos os participantes, relacionando as mercadorias e as respectivas margens de preferência;
· área de livre comércio: prevista no artigo XXIV do GATT, ela consiste na eliminação das barreiras alfandegárias e outras restrições aos produtos produzidos dentro do grupo de dois ou mais países, porém, mantêm-se as políticas comerciais independentes em relação aos demais. Trata-se de um estágio de integração mais avançado do que a zona de preferência. O Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte ) é um exemplo desse modelo de integração regional;
· união aduaneira: também definida no artigo XXIV do GATT, refere-se à substituição de dois ou mais territórios aduaneiros por um só, com consequente eliminação de tarifas aduaneiras e restrições ao comércio internacional dos países membros. A união aduaneira é consequência da eliminação de todos os obstáculos às trocas internacionais. Os regulamentos aduaneiros dos participantes da união devem ser semelhantes em relação ao comércio exterior com países não participantes da união. Assim, os produtos adquiridos de países externos devem ter livre circulação na união. Portanto, uma união aduaneira carece necessariamente da adoção de uma tarifa externa comum e de uma política comercial em relação a produtos originários de terceiros países. Como exemplo desse modelo de integração regional, podemos citar o Mercosul;
· mercado comum: consiste numa união aduaneira na qual os participantes se obrigam a implementar a livre circulação de pessoas, de bens, de mercadorias, de serviços, de capitais e de fatores produtivos, eliminada toda e qualquer forma de discriminação. As comunidades europeias já passaram por esse estágio de integração;
· união econômica: nessa fase de integração, os acordos não se limitam aos movimentos de bens, serviços e fatores de produção, mas buscam harmonizar políticas econômicas para que os agentes possam operar sob condições semelhantes nos países constituintes do bloco econômico. A União Europeia encontra-se atualmente nesse estágio de integração;
· integração econômica total: esse estágio de integração implica livre deslocamento de bens, serviços e fatores de produção, além de completa igualdade de condições para os agentes econômicos, o que consiste na união econômica e política e na unificação dos direitos civil, comercial, administrativo, fiscal etc., ambas administradas por autoridades supranacionais.
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