terça-feira, 22 de novembro de 2016

8 - Tendências e perspectivas atuais da Geopolítica

A nova ordem mundial que emerge no final do século XX e ainda busca sua melhor definição no começo do século XXI, reencantou o interesse pela Geopolítica. Já livre da maior parte dos estigmas, a Geopolítica busca ainda, paulatinamente uma maior afirmação como ciência.

Tendo início nos anos 1970, o movimento de revalorização da Geopolítica eclode com força nos anos 1990, dando origem ao que se chama de Geopolítica Crítica, ou Novas Geopolíticas, ou, ainda, Geopolíticas Pós-Modernas.

Diversos autores se revezaram nessa complicada tarefa de explicar o mundo que emerge após a Guerra Fria (1945-1991).  O estudo geopolítico no século XXI adquire diversas nuances. As disputas deixaram de ser militares? E qual a contribuição de outros poderes? Qual o peso do poder econômico, da cultura, do tipo de capitalismo que se adota? Quais elementos do passado ainda ajudam a explicar o mundo atual? Ou seria tudo novo?

Assumimos, pois, a complicada tarefa de falar de um mundo que olhamos pela janela, que vivenciamos, embora nem sempre o compreendamos por completo.

Novas Geopolíticas

A partir dos anos 1970, a Geopolítica foi perdendo os estigmas, superando as críticas, e voltando a figurar entre os estudos importantes para a compreensão do mundo.

Damos início então, nesse período impreciso entre 1970-1990 à segunda onda da Geopolítica, que recebe diversos nomes, como: novas Geopolíticas, Geopolítica Crítica, Geopolítica Pós-Moderna.

Para Fernandes (2010), o termo Geopolítica Pós-Moderna seria o mais apropriado para essa pluraridade de abordagens que surgem na Geopolítica pós-anos 1970, pois engloba diversos enfoques: descritivos, explicativos, analíticos, críticos, pós-modernos de fato, e até mesmo modismos alimentados pela mídia.

A “Geopolítica Crítica” é, para Font; Rufí (2006, p. 92) “uma nova geopolítica, que tenta desconstruir os discursos do poder, institucionalizados e, portanto, construir novas visões políticas das relações sócio-espaciais”. Nessa nova tendência, diversos aspectos estão envolvidos.

Uma grande “crítica” dessa corrente se direciona ao vínculo militar sem a qual a Geopolítica Clássica parecia não existir. Portanto isso conectaria a corrente crítica à produção acadêmico-científica, em contraposição à “Geopolítica Prática”, produzida pelos governos, e à “Geopolítica Popular”, produzida pela mídia e pelos meios de comunicação.

A Geopolítica Crítica também revisou alguns aspectos que fundamentavam a Geopolítica Tradicional: a visualização e o mapeamento do espaço global do alto; sua estrutura binária, que via o mundo de acordo com a categoria nós/eles – Leste/Oeste; a ideia de desenvolvimento eurocêntrica/ norte-americana, que agora dá espaço a outros modelos de desenvolvimento; a naturalização da “armadilha territorial”, que priorizava a ideia de soberania dentro de espaços fechados, como Estados; o enfoque constante em temas ligados &a grave; conquista do poder e o interesse nacional. 

Outra questão a ser destacada em Font; Rufí (2006) é a recepção da Geopolítica Crítica pelos novos temas do mundo contemporâneo, especialmente a questão ambiental.

Vesentini (2003) opta por chamar esse movimento de “Novas Geopolíticas”. Para ele o termo nova se justifica pois, embora o rótulo se mantenha, “os métodos e os pressupostos fundamentais dos geopolíticos clássicos foram deixados de lado” (VESENTINI, 2003, p.27).

Isso ocorreu não por mero preconceito ou por uma atualização metodológica simples. Ocorre que a realidade mudou substancialmente, e não é possível mais explicá-la com as teses de outrora.

Para ilustrar a questão, Vesentini (2003) recorre à análise do tema “grande potência mundial”, um estudo tradicional das análises geopolíticas. Na Geopolítica Clássica os elementos primordiais de composição de uma grande potência seriam: grande população, território vasto e grande capacidade militar (incluindo soldados, armamentos e estratégias).

No mundo contemporâneo pós-Guerra Fria grande potência seriam países com grande população, território vasto e grande capacidade militar (incluindo soldados, armamentos e organização estratégica). Essa concepção está ficando ultrapassada por conta de três aspectos.

Em primeiro lugar, a corrida armamentista da Guerra Fria conduziu os países a uma encruzilhada: os gastos militares excessivos, na maior parte dos casos, retêm uma quantidade significativa de recursos que poderiam ser gastos no desenvolvimento da economia de um país. Isso leva boa parte dos países do mundo a diminuírem seus gastos militares.

Em segundo lugar, a Terceira Revolução Industrial (ou revolução tecno-científica) vem diminuindo gradativamente a importância do tamanho do território, visto que, com o avanço da tecnologia, consegue-se produzir mais em menores espaços, fazendo com que o impacto das diferenças de extensão territorial seja reduzido.

Por último, pode-se dizer que, em decorrência ainda do desenvolvimento tecnológico, a mão de obra abundante se tornou menos necessária, em favor de uma mão de obra mais qualificada. Isso vale tanto para trabalhadores quanto para soldados.

Pode-se dizer que, atualmente, a “grande potência mundial” é um Estado (ou um agrupamento deles, como no caso da União Europeia) que produz tecnologias modernas, possui mão de obra qualificada, com excelentes níveis de escolaridade e com uma economia criativa, ou seja, que envolva o conhecimento como principal recurso produtivo.

Vejamos agora mais detalhadamente as nuances dessas “Novas Geopolíticas”.

 

Geoeconomia x Geopolítica

Provavelmente a perspectiva que mais tenha ganhado força desde 1990 é a ideia de que as disputas mundiais de poder seriam essencialmente econômicas, fazendo com que a Geopolítica se transformasse em uma Geoeconomia. Contribuiu para isso o artigo do cientista político romeno, naturalizado americano, Edward Nicolae Luttwak (1942-). Em seu texto intitulado “Da geopolítica à geoeconomia”, publicado em 1990 na revista norte-americana The National Interest, defende uma tese polêmica.

Para ele, com o fim da Guerra Fria, a política e os conflitos entre os países estariam menos relevantes nos dias atuais, dado o aumento da importância da economia para a definição do poder mundial. Reinterpretando a célebre frase de Carl von Clausewitz (1780-1831) pela qual “a guerra é a política continuada por outros meios”, Luttwak afirma que “a lógica da guerra está incorporada às regras do comércio”.

Por essa linha de pensamento, não faz mais sentido os governos pensarem em guerras convencionais. Luttwak defende que as disputas são econômicas e, portanto, o inimigo dos Estados Unidos, a grande potência mundial, não seria mais o comunismo ou a União Soviética, e sim os rivais comerciais, principalmente China, União Europeia e Rússia.

Outro autor a valorizar sobremaneira o papel da economia no poder mundial foi Lester Thurow (1938-), professor de economia no Massachussets Institute of Technology (MIT) e ex-assessor do presidente norte-americano Bill Clinton.

Seu argumento central é que no século XXI, as guerras econômicas dominam o mundo, no lugar das guerras militares. E seu questionamento básico é: quem vai dominar o mundo no século XX?

O século XIX foi britânico e o século XX foi norte-americano. O século XXI, para Thurow, está sendo disputado por cinco potências, que ele chama de “as cinco placas tectônicas” (VESENTINI, 2003, p. 34): Estados Unidos, Europa (liderada pela Alemanha), Japão, China e Rússia.

Para se credenciar a ser uma potência hegemônica esses países precisariam combinar elementos de competição com cooperação, produzindo “mais e melhores bens e serviços, ampliando a produtividade, o nível tecnológico e educacional, o padrão de consumo da população enfim” (VESENTINI, 2003, p. 33).

Outra abordagem a ser ressaltada é aquele trazida pelo economista, empresário e ex-assessor do governo japonês Kenechi Ohmae (1943-). Em seus livros “Um Mundo sem Fronteiras” (1990) e “O Fim do Estado-Nação” (1995), Ohmae arrebatou inúmeros seguidores, dos anos 1990 ao primeiro decênio dos anos 2000, com a sua ideia de decadência dos Estados-Nação.

Segundo sua tese, os mapas mundi seriam “ilusões cartográficas”, pois ainda mostrariam o mundo dividido em países, em fronteiras tradicionais que estariam perdendo seu significado.

Ohmae defende que se mostrem os “Estados-Regiões”, como a Catalunha, dentro da Espanha; a Liga Lombarda, com centro em Milão, dentro da Itália; a região dos Alpes, com centro em Lyon, dentro da França; a região de Shenzen, integrada a Hong Kong, dentro da China etc.

Pelo seu argumento, o Estado nacional impõe regras que prejudicam o mercado nacional, como os limites nacionais, as barreiras alfandegárias, a moeda nacional, o espaço, as legislações a serem seguidas, entre outros aspectos.

As regiões é que geram a prosperidade dos países, de acordo com Ohmae. Portanto, a economia global deveria ser cada vez menos dependente dos países, funcionando de forma mais ou menos autônoma em torno dos quatro “is”: “os investimentos (sistema financeiro), as indústrias (empresas, cada vez mais transnacionalizadas), as informações (tecnologia em rede: informática, telecomunicações etc.) e os indivíduos (consumidores)” (VESENTINI, 2003, p.42).

Entretanto, essa visão perdeu força, pois, após a primeira onda de neoliberalismo, muitos Estados voltaram a atuar decisivamente na economia, e a desregulação, com predominância cada vez maior do chamado Estado Mínimo, não se efetivou na prática.

Do ponto de vista econômico, existem ainda outras abordagens, como as que tratam da emergência dos megablocos regionais (impossível precisar apenas um autor), as análises de sistema mundo de Immanuel Wallerstein (1930-), as diversas abordagens sobre a globalização, e a perspectiva do historiador britânico Paul Kennedy (1945-), que defende que os grandes conflitos do século XXI serão causados pelas disparidades entre os países do Norte (de maior desenvolvimento socioeconômico) e os países do Sul (de menor desenvolvimento socioeconômico).

Entretanto, o que se nota dos autores que enfatizaram o aspecto econômico da Geopolítica é que não superaram o comprometimento ideológico da Geopolítica Tradicional. São em sua maioria ligados ao governo, e, em seus estudos, buscam a Geopolítica Prática, intencionando não apenas interpretar, como influenciar os rumos do sistema internacional. Nessa mesma linha encontra-se a contribuição da tese do Choque de Civilizações que veremos a seguir.

 

O Choque de Civilizações e a importância da cultura

Em um ensaio publicado em 1993 na revista de Relações Internacionais Foreign Affairs, chamado “Choque de Civilizações?”, o cientista político americano Samuel Phillips Huntington (1927-2008) trouxe uma nova interpretação para a geopolítica mundial, enfatizando a importância da cultura.

A ideia fundamental do ensaio, ampliada em livro de 1996, é que os conflitos no mundo contemporâneo não são mais militares ou econômicos, e sim culturais (civilizacionais): a civilização ocidental x a civilização islâmica; a civilização islâmica x a civilização hinduísta; a civilização hinduísta x a civilização sínica (chinesa) etc.

Para Huntington, civilização é a identidade cultural mais ampla de um povo. Por essa lógica, apesar das diferenças inúmeras, argentinos e brasileiros pertencem a uma mesma civilização, a latino-americana. Huntington define nove civilizações: ocidental, africana, islâmica, sínica, budista, hindu, ortodoxa, latino-americana e japonesa.

A análise do mapa de Huntington é fundamental para entender a conclusão de sua obra. Para ele, as linhas de cisão entre as civilizações são as áreas mais propensas a conflitos no século XXI. Recuperando uma perspectiva da Geopolítica Clássica, Huntington vê a maior possibilidade de conflitos nessas áreas por conta das disputas territoriais entre nações distintas.

Dentro de uma mesma civilização essas disputas não tenderiam a ocorrer pois cada civilização seria como uma “família”. E dentro de cada uma dessas famílias Huntington identifica um “Estado Núcleo da Civilização”, o líder dos demais Estados daquele bloco, responsável, entre outras coisas, por manter a ordem.

Como um geopolítico com seus compromissos ideológicos, Huntington termina suas obras refletindo sobre o papel dos Estados Unidos nessa Nova Ordem Mundial “multipolar” e “multicivilizacional. Para ele, os EUA estão em decadência, e é preciso que se unam à Europa, caso contrários, ambos serão destruídos separadamente.

Vejamos agora outras perspectivas das Novas Geopolíticas que tentam explicar o mundo para além do poder econômico e do poder cultural.

 

Outras perspectivas

As perspectivas mais recentes da Geopolítica são muito diversificadas. Tentaremos enquadrá-las em alguns rótulos que, longe de explicá-las devidamente, busca fornecer o potencial didático para que possamos entendê-las melhor.

Iremos designá-las, portanto da seguinte forma: Geopolítica e Liberalismo; Geopolítica da Complexidade; Geopolítica e o Realismo Geoestratégico; Geopolítica e Identidade; Geopolítica Ambiental.

Embora o liberalismo seja uma ideia subjacente a algumas das teses que vimos anteriormente, em “O Fim da História” (1992), de Francis Fukuyama (1952), sua importância parece ter sobressaído.

Fukuyama, funcionário do Departamento de Estado americano (o equivalente a nosso Ministério das Relações Exteriores), escreve primeiro um artigo, em 1989, logo depois da queda do Muro de Berlim. Três anos depois, em livro, aprofunda sua tese de que estamos passando por um estágio superior da história da humanidade, em que a democracia liberal se afirmou como melhor para os homens, e que daí só tendemos a ter um mundo mais coeso e harmônico.

O perigo dessa tese foi sua utilização pelos Estados Unidos para justificar a intervenção em países não democráticos. Sob o pretexto de universalizar a democracia, cometeram-se violações graves de soberania e não se respeitaram as culturas de diversos países.

Entre os autores da Geopolítica da Complexidade podemos destacar o jornalista e sociólogo espanhol Ignacio Ramonet (1943-). Para o autor de “Geopolítica do Caos” (1998), o caos se explica ausência de lógica na Nova Ordem Mundial, e o sistema mundial hoje se baseia em dois pilares: o mercado e a ideologia da comunicação. Mas não se sabe bem quem governa o mundo, muito menos “qual é o poder da mídia, dos lobbies, das ONGS, das empresas transnacionais, dos grandes investidores financeiros etc.” (VESENTINI, 2003, p. 75).

Por fim, as abordagens relacionadas à identidade e à questão ambiental ainda são bastante incipientes e interdisciplinares. No primeiro caso, estuda-se de que forma as mudanças mundiais impactam pequenos grupos, comunidades locais, identidades autóctones (oriundas de uma certa localidade). Em alguns momentos, trata-se de uma perspectiva culturalista, embora distinta daquele que apresentamos com Huntington.

A Geopolítica e o Realismo tem como principais expoentes os nomes de Henry Kisssinger e Zgbigniew Brzezinski, dois ex-secretários de Estado americanos. Para eles, a entrada em cena de outros atores que não só os Estados no sistema internacional, não amenizou o problema da violência, senão o tornou mais complexo. Agora, além dos Estados, deve haver uma preocupação com esses outros atores, mais dificilmente identificáveis, como grupos terroristas.

Portanto, esses autores defendem que os princípios democráticos e harmônicos devem valer dentro do território nacional. No sistema internacional continua prevalecendo a anarquia, e os países, especialmente os Estados Unidos, devem agir de forma a garantir seus interesses nacionais.

A Geopolítica Ambiental, embora careça também de um corpus teórico maior, emerge com bastante força devido à ascensão da problemática ambiental. Com os impactos ambientais, provocados ou não pelo homem, cada vez mais evidentes na natureza, articulam-se estratégias não só pela resolução dos problemas. Os países disputam também recursos, ideias e benefícios sobre o meio ambiente.

Notamos com imensa alegria que os estudos geopolíticos se renovam constantemente com base nas demandas da sociedade. Isso dá vitalidade e reforça o interesse sobre a Geopolítica. Entretanto, é preciso se criticar constantemente, para que, parafraseando o geógrafo Yves Lacoste, a Geopolítica sirva, antes de mais nada, para fazer a paz.

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